Capítulo 9 - Por Trás da Porta - O Andarilho do Tempo



- Por muito tempo, as pessoas cresceram acreditando em histórias como sendo fábulas para distrair crianças. Criavam-se personagens que espalhavam medo, outros que representavam a luz. Mas, o que desconhecem é que, antes mesmo de serem simples histórias, muitas delas foram reais. E há aquelas que foram primeiro, fábulas, para depois se tornarem realidade
            De um jeito muito curioso, o universo soube dividir muito bem esses mundos que jamais poderiam viver no mesmo tempo e espaço. Cada qual com seus habitantes em especial. Mas essa separação é tão instável e sensível, que até mesmo um pensamento seria capaz de quebrar essa frágil harmonia.
            Um desses mundos é, naturalmente, esse em que vivemos: a Terra, tão orgulhosa de sua normalidade, sem nada aparentemente mágico. O outro mundo... Bem, esse está bem escondido dos olhos curiosos dos humanos. Chama-se Meio-Termo, um universo completamente inusitado, onde é impossível descrever fantasia e real como palavras opostas. O lar das criaturas mais fantásticas, vidas extraordinárias.
            Mas Meio-Termo e Terra não são os únicos que dividem essa fronteira, Charlie... Existe um terceiro: o Vazio. Se você pudesse definir Meio-Termo como um sonho, certamente o Vazio seria o pesadelo. Um lugar habitado por criaturas cruéis, vis, ou apavoradas demais.
            Durante séculos os mundos viveram sem o menor contato, impossíveis de se cruzarem. Mas, então, algo aconteceu. Foi exatamente a dois mil anos atrás. Vou lhe contar essa história, peço que fique atento e não perca nada. É importante conhecer... Sua natureza.
            Havia um reino próspero, boas terras, povo cordial e grandes plantações. Nada tão pacífico quanto aquele reino. O império de Sertoria. O rei Khertoris era governante de toda Sertoria, seu julgamento era justo e tudo o que fazia era para o bem do povo. Seu coração era, provavelmente, o mais nobre entre os quatro cantos da terra. Era um homem zeloso por seu império e esposa, e sempre lutava para manter seu império longe do domínio dos bárbaros. Tão logo, tiveram um filho, o herdeiro de todo o seu poder.
            No entanto, não foi como o rei queria. Sua criança nasceu com um... Ahn, um problema, algo que trazia vergonha ao palácio de Sertoria. A criança tinha um aleijão. Uma deformação no rosto. Aos olhos dos pais, era um garotinho asqueroso, nem mesmo a própria mãe suportava ter seu filho nos braços. Recusou-se a amamentar a criança. Com isso, o herdeiro passou a ser levado pelos serviçais até o estábulo, onde era amamentado por uma cabra. Ele foi batizado como Vulno, originado do latim Vulnus, Ferida.
            A criança cresceu, até se tornar um garotinho de sete anos, cheio de dúvidas. Não podendo mais simplesmente enrolar o filho em panos para esconder o aleijão, os pais o confinaram em uma torre, a mais alta, sem espelhos, para que fosse poupado de seu próprio horror. Apenas uma cama, comida e o necessário. Jamais, em sua vida, recebera visitas dos pais, senão cartas de tristeza da mãe e um breve cumprimento anotado do pai, escrito no canto da carta. Nada mais.
            Um dia ele recebeu uma carta com breves palavras. O rei tivera um novo filho, forte e saudável. Não foi difícil esquecer a criança enclausurada em uma torre depois disso. Vulno nunca mais recebeu outra carta depois do nascimento da nova criança.
            Vulno cresceu aos cuidados de uma velha cheia de feridas pelo corpo, uma velha que ensinou-o a falar, escrever, costurar e, sempre que podia, levava um livro ou dois. Ela cuidou de Vulno até o último dia de sua velhice. Quando, finalmente, a velha morreu, o herdeiro estava só. Nem mesmo o rosto dos serviçais que lhe traziam comida era permitido ver. Seus olhos apenas enxergavam o que havia do outro lado de uma pequena janela quadrada, no alto da parede. 
            A solidão começou a ser sua principal companheira. Falava sozinho, chorava sozinho. Até aquele dia. Como lhe ensinara a velha, Vulno começou a escrever. Como não tinha folhas, passou a escrever nas paredes, registrando seus pensamentos. Finalmente, teve uma ideia: criar um amigo. Hiker, um viajante do tempo que vivia aventuras imaginadas pelo próprio Vulno. O garoto fingia, todas as noites, receber a visita de Hiker, e, juntos, se sentavam no chão, e o viajante contava tudo o que havia feito em sua jornada pelo tempo. Então, um dia... Ele apareceu. Hiker, o Andarilho do Tempo, nasceu e, vez ou outra, deixava o Meio-Termo para visitar o seu amigo.
            Aquele garoto, Charlie... Foi o primeiro Inspirado. O primeiro capaz de interferir no Meio-Termo e abrir uma porta entre esses mundos. Aquela torre foi o primeiro Literadouro, assim como o armário 207 foi o seu. Aquela foi a primeira vez em que existiu a transição de um mundo para o outro. Da mesma forma, O Andarilho do Tempo foi a primeira aparição em nosso mundo. A Fabula Prima. Quando Vulno morreu de velhice, o Literadouro foi fechado, e já não passava mais de uma torre. O Andarilho abandonou aquele mundo, começou suas viagens ao redor de outros mundos e do tempo. Claro, isso é o que me foi contado.
            Mas a transição de Hiker teve um preço. Ao ultrapassar essa tênue linha que separava os mundos, ele superou as limitações da barreira. Quando o limite foi rompido, uma cadeia de efeitos colaterais aconteceu. Inspirados, crianças concebidas em momentos propícios começaram a apresentar o mesmo dom de Vulno, criando coisas, fazendo de uma simples caixa de sapato a um castelo, os seus Literadouros. Hoje, Charlie, descobrimos que você é um Inspirado. Aquele armário é o seu Literadouro.
            Mas, entenda. Hoje sabemos que, talvez, isso não tenha sido uma coisa inteiramente boa. O limite se rompeu nos três pontos. O Vazio também acabou por se conectar ao nosso mundo. Tão logo, três diferentes realidades começaram a coexistir e, com isso, duas novas classes de humanos surgiram.
            A primeira é você, Charlie. Inspirados. Pouquíssimos humanos, muito menos do que 1%, nascem com um dom raro e maravilhoso. O dom de criar e fazer verdadeiro. Elas podem ser expressas com ideias, sonhos, pesadelos ou histórias, como é o seu caso. Significa que, tudo o que escreve, pensa ou sonha, é produzido, se torna real, e passa a habitar a imensidão do Meio-Termo. Mas as criações são feitas por motivações, um desejo intenso de criar, como aconteceu com Vulno. O fato de ter conseguido entrar aqui, Charlie, é justamente por isso: suas mãos “produzem”. A porta e o cadeado dessa sala te identificaram dessa forma e, por isso, você pôde penetrar nos domínios do Literadouro. A Inspiração que flui o seu corpo foi bem recebida assim que chegou. 
            Aí vem a segunda classe de humanos... Somos eu, Helena e Ernesto. Somos Emissários, pessoas que recebem a menor fração da Inspiração, dom usado para manter a ordem entre os mundos, garantindo que a ligação entre eles não se torne um colapso para o equilíbrio. Contemos as aparições em nosso mundo e mantemos as lendas nos lugares delas: nos livros.
            Cada Emissário recebe um estigma, toten ou elemento, com o qual usaremos como armas. Eles são conhecidos como Corsários. Nós recebemos totens, animais-guia. No caso de Helena, obteve o Corsario Berbellia. Ernesto é detentor do Corsario Lupus. Eu tenho besouros ao meu dispor. Sou o Corsario Coleos.
            A partir daí, as lendas começaram a surgir nesse mundo. Os Literadouros eram, às vezes, usados de forma displicente e, com isso, algumas criaturas foram soltas. As pessoas viam as aparições e começavam a espalhar as visões que tiveram. Os folclores ganharam força. Hoje, muitas das histórias que as crianças ouvem foram criadas por Inspirados, ou já existiam antes de Vulno e, simplesmente, foram liberadas em nosso mundo através dos Literadouros.

            Charlie, até aquele momento, apenas escutava. No entanto, as dúvidas apareciam cada vez em maior número, enquanto as respostas eram vagas e confusas. Tinha tantas perguntas, e, ainda por cima, um velho doido começava a dizer que ele era especial, tinha um dom, e mais um monte de abobrinhas improváveis. O que esperar disso?, ele se perguntou.
           
            - Ok, a história é linda, mas... O que é um Literadouro, e porque você insiste em dizer que meu armário é uma coisa dessa?
            Munphus sorriu, como se já esperasse por aquela reação. Charlie espantou-se. Era uma expressão nunca antes vista no rosto do velho bibliotecário.
            - Literadouro é o receptáculo de cada Inspirado, a forma de entrar em contato direto com suas criações, obviamente você o tem, pois suas histórias se tornaram reais. Mas, com o tempo, elas foram proibidas, pois os homens eram displicentes demais e as coisas estavam ficando fora de controle. Estavam criando o que não podiam controlar. Logo, Os Literadouros foram encerrados. Pelo menos era o que deveria ter acontecido.
            - Proibidos? Quem proibiu?
            Munphus repetiu o mesmo sorriso, ainda que não parecesse ser essa a sua intenção.
            - Não sabemos...Ninguém sabe... Simplesmente recebemos esse aviso, um dia, através de nossos Corsários... Isso para você ver como sabemos tão pouco sobre a Inspiração! Toda a nossa limitada bagagem de conhecimento nos é dita através de nossos Corsários, e eles nunca são claros ou explicativos. Isso sempre me frustrou... Pois bem... Veja, Charlie. Apenas três Literadouros foram plantados ao redor do mundo, para que o equilíbrio fosse mantido, uma vez que não se podia mais desligar a conexão entre os mundos.  Eu sou o Portador deste Literadouro... Bem aqui, onde estamos. É meu dever cuidar das Inspirações que aqui aparecem.
            - E o que esse Vazio faz?
            - Alguns o chamam de “lixeira do universo”. Histórias inacabadas, sonhos frustrados, pensamentos torpes, mesquinhos e sentimentos que representam fraqueza são enviados ao Vazio, para perecer... É um lugar perigoso, uma vez que os habitantes de lá se alimentam do “lixo”. Os personagens inacabados de cada Inspirado se tornam corruptíveis, uma vez que não possuem objetivos ou resoluções. Sem um desfecho, você é apenas uma coisa que vaga... Existem muitos desses vagantes no Vazio, se alimentando do resto de nossas imaginações.
            Charlie ficou em silêncio, encarando o velho. Munphus compreendeu a expressão do garoto, e disse:
            - Quero que confie em mim, Charlie. Por isso, vou responder a todas as suas perguntas. Não se acanhe... Faça-as.
            Charlie não esperou pedir duas vezes:
            - Como uma história se torna inacabada?
            - Quando um Inspirado faz o que você fez – avisou o velho – Abandona sua história. Quando se perde o desejo em continuar uma fábula, ela passa a boiar no rio dos sonhos inacabados, no Vazio. Naquele momento em que deixou sua história dentro do armário, cada personagem foi confinado ao Vazio... É a única forma de entrar lá, abandonando as ideias permanentemente.
            Charlie sentiu um frio na espinha e fitou o irmão. Lembrou-se do dragão, e da tragédia que levara Andrew a conviver com aquela mão disforme.  
            - Fale-me sobre esse lugar... O Vazio... – pediu Charlie. O lugar parecia ainda mais curioso do que qualquer outro – Criaturas do Vazio podem vir até nós?
           
- Bem... Por onde começo? Como no Meio-Termo, existem habitantes que sempre viveram lá, não apenas os “inacabados”... Não se sabe o aspecto do lugar, pois nunca ninguém conseguiu entrar ou sair. Tudo o que sabemos é que a única forma de passar por lá é pelo Portão da Jaula, guardada por um ser tenebroso.
            Krark, ou Guardião da Jaula, assim conhecido. Ele guarda o portão que entra e sai do Vazio. Ele possui um mascote, Harsos, seu cão-guia. Eles nunca deixam ninguém passar, jamais. Simplesmente é impossível.
            Não se sabe, ao certo, como o Guardião foi criado. Ele simplesmente existia ali. Krak era um ser formado a partir dos restos de sonhos e histórias. Dizem que, primeiro foi formado o rosto. Os olhos eram os pesadelos das crianças Inspiradas, enquanto os lábios eram os pensamentos mais cobiçosos e impuros dos corações endurecidos no mundo humano. Sua pele era composta por medo e dor, originando uma cabeça sem nem mesmo um fio de cabelo, com olhos cor de argila e pele acinzentada. Seus braços foram formados a partir dos anti-heróis abandonados em histórias inacabadas. A dor e o derramamento de sangue se reuniram, formando pernas e pés de Krak. O ódio teceu a corrente que o Guardião da Jaula carregava em volta de seu pescoço e tórax, e sua lança era formada pela desilusão daqueles que abandonaram, para sempre, a Inspiração.
            Ainda no começar do Vazio, Krak se alimentava de tudo o que via, todo o “lixo” que era mandado ao seu domínio. Um dia, aquele ser comeu algo que não gostou, algo que causou-lhe enjôos: o prazer na morte. Krak era um ser inferior, mas, como qualquer um, temia morrer. Por isso, não viu outra opção senão vomitar tudo o que havia comido.
            Mas, quando o fez, não saiu de suas entranhas nenhum resto de seu banquete. O resultado foi um cão. Seu fiel companheiro fora regurgitado.
            Era do tamanho de um cavalo, de pelagem negra e olhos esbugalhados, como bolas de bilhar azuis. Suas orelhas eram equiparáveis às de uma lebre e, em torno do pescoço, uma engrenagem rachada começava a se formar, servindo-lhe de coleira. As patas eram enormes, contempladas com garras curvas e desgastadas.
            Ainda há outros dois, além de Krak. Zoakros e Qaaze. São conhecidos como Sentinelas da Jaula pela nossa literatura. Cada um exerce sua função, são como os “donos” do Vazio. Krak, como já disse, vigia o Portão. Zoakros é um espectro, ser vagante, sem olhos, ouvidos ou boca, que se encarrega da “troca”. Qaaze é a “voz” do Vazio. Qaaze é o que podemos chamar de “má consciência”, aquele que sopra no ouvido das pessoas os precursores dos sentimentos mais frios e sórdidos. Afinal, são desses sentimentos que eles se alimentam. Tecnicamente, jamais puderam nos prejudicar. Eles não entram em nosso mundo, mas suas habilidades nos influenciam. Em suma, Krak é um ser sólido, Zoakros é a própria escuridão, espectro amorfo, enquanto Qaaze é uma voz.
            Krak jamais deixava que nada entrasse ou saísse do Vazio. Ainda que o quisesse, seu instinto era maior do que o desejo. O próprio Guardião da Jaula almejava deixar aquele lugar, por ser triste e solitário, até mesmo para uma existência como ele. Mas não podia deixar seu posto. Então vieram as perguntas. “Por que, então, ter um guardião? O que seria capaz de abrir aquela passagem? Quem seria capaz de abrir a passagem?” Se tem um guarda, supõe-se que exista a possibilidade de “invasão”. Os temores surgiram através de tais questionamentos. E uma lenda surgiu a partir de então.
           
- Um momento... Se, nada passa aquele portão, como o Vazio pode estar ligado ao nosso mundo? Como aquelas coisas saíram de lá? E que raios de “troca” é essa?
            - Bem... Já ouviu falar na “troca equivalente”? – Munphus explicou – É assim que acontece. Eles não passam, necessariamente, pelo Portão. Quando as sombras e o dragão vieram a este mundo, alguma coisa foi mandada pra lá em troca disso, ocupando o mesmo espaço. Mas... Tem um problema... Isso só acontece se... Alguém do lado de fizer a “troca”. E, acredite, é extremamente difícil fazê-la, requer preparação e poucos sabem a forma correta... Falhar na Troca Equivalente pode implicar na... Morte.  
           
            Charlie ouviu palavra por palavra. Isso significava que, em algum lugar, alguém estava tirando “coisas” do Vazio e colocando no mundo convencional.
            - Há quanto tempo enfrentam essas aparições?
            - Do Meio-Termo, há dois mil anos atrás, logo quando existiu o primeiro Literadouro... Já as aparições do Vazio, há cerca de trezentos anos, mais ou menos. Quando descobrimos a Troca Equivalente. Ou melhor, quando nossos Corsários acharam conveniente nos contar.
Charlie digeria informações, ao passo que sua mente criava novas perguntas. Outra dúvida veio a sua cabeça.
- Que temor seria esse? O que você mencionou antes, quando ninguém soube explicar a existência de um Guardião.
            Munphus fitou a sobrinha, que parecia inexpressiva, embora o brilho de seus olhos denunciasse uma sombra de medo e hesitação. Fosse o que fosse, a resposta não seria, nem longe, das melhores.
            - O Despertar do Vazio... O temor que todos sentimos, Emissários e Inspirados... Diz a lenda que, um dia, algo fará o portão se abrir, algo tão poderoso que nem mesmo Krak ou os outros Sentinelas poderão deter a violação do Portão da Jaula. Quando isso acontecesse, o equilíbrio entre os três mundos se tornaria um caos, e, por conseqüência, não haveria mais um limite. Os três mundos se uniriam em um só, e seria o fim da vida como conhecemos. Imagine humanos habitando debaixo do mesmo céu que as criaturas do Vazio! O quão terrível seria! Uma calamidade. Poderia implicar o fim dos três mundos!
            - Mas vocês não sabem, nem ao menos, o que, ou quem, poderia causar o Despertar do Vazio?
            Mais uma pausa. Charlie estava acertando nas perguntas, mas, em seu íntimo, não tinha certeza se queria saber.
            - A sua carta... Esse tal Dr. Sanguinetti, nunca ouvi tal nome, mas... Northon Galahan? Esse sim... Northon foi um Inspirado, que viveu há mil e duzentos anos atrás. Um pobre coração corrompido que viveu na miséria por muito tempo. Até o dia em que descobriu possuir tão incrível dom. Northon desenvolveu seu talento quando esteve preso, por roubar frutas de um mercador. A prisão onde esteve tornou-se seu Literadouro. Quando foi liberado, percebeu que não poderia viver plenamente feliz longe daquela cela, longe do seu poder. Começou a roubar cada vez mais, para que pudessem enviá-lo a prisão e, com isso, criar suas criaturas. Mas logo percebeu que o tempo em que ficava detido era curto e nunca deixariam um homem entrar em uma prisão por vontade própria. Então Northon fez algo extremo... Tirou a vida do mercador e de toda a família. Northon foi preso, e lá ficaria mantido por três meses, até o dia em que fosse executado. Bem, três meses são mais do que o suficiente para criar toda a sorte de criaturas, um exército! Desejava tomar todo o vilarejo para si e, logo, queria conquistar todo o resto. Sua solidão na prisão, no entanto, causou seu encontro com ninguém menos do que Hiker, o Andarilho do Tempo e o amigo do já falecido Vulno. A criação de um simples menino deformado, de fato, viajara por todo o espaço, nada parecia deter o seu desejo de buscar o conhecimento. Hiker tornou-se sábio. Dividiu muitas informações com o rapaz prisioneiro, pois Northon e sua solidão lembravam em muito o pobre Vulno. Hiker poderia possuir todo o conhecimento, mas era ingênuo, e foi manipulado por Northon. Quando este descobriu existir uma forma de abrir passagem até o Vazio, ele decidiu que o faria. Pior, Northon sabia como fazer. Por isso, em uma última manobra para reparar seu erro, Hiker, com a ajuda dos Emissários, confinou Galahan, o Inspirado Exilado, ao mundo do Vazio. Ele e suas criações bizarras foram enviadas para aquele lugar tenebroso. Depois disso, seu nome nunca mais foi pronunciado entre os Emissários... E o Andarilho sumiu sem deixar pistas, na mesma época em que os Literadouros deixaram de existir. Mas, anos após a queda de Northon, de alguma forma que desconhecemos, alguns Literadouros foram abertos. Desde então, temos descoberto Inspirados que, como você, estão liberando suas próprias criações involuntariamente, mantendo os Emissários em atividade vinte e quatro horas por dia. Temo que, talvez, vocês estejam sendo manipulados.
            - Quer dizer que Northon sabe como realizar o Despertar do Vazio? – perguntou Charlie, incrédulo.
            - Sim, mas, onde quer que ele esteja, é impossível fazê-lo ainda, acredito eu... Ou ele já teria feito.
- E vocês acham que ele está de volta... – concluiu Charlie – acham que ele saiu do Vazio...
            - Bem, Charlie... Por muito tempo foi nisso em que acreditei. Passei anos procurando saber se isso era verdade. Mas, quando li a carta, percebi que, talvez, Northon ainda esteja no Vazio.
            - Como? Pra mim, essa carta é inútil.
            O Velho sorriu, apontando para o primeiro nome impresso na carta.
            - Vê esse nome? “Charlie C. Galahan”.
            - Charlie Caesar Galahan – completou Charlie – é só um pseudônimo. Eu o uso para escrever minhas histórias...
            - Sim, e isso é bom. Sabe, Charlie Galahan é o meu escritor favorito... Não faça essa cara de cético, rapaz. Eu vou explicar. Venha comigo.
            Munphus levantou-se da cadeira e caminhou a passos lentos, sem olhar para trás. Charlie não esperou um chamado, saltou para frente e correu em direção ao bibliotecário. Toda aquela história já havia impregnado a alma de Charlie com uma deliciosa sensação de que o mundo era empolgante e que, por trás das cortinas cinzas da normalidade, havia um reino fantástico, um reino onde ele tinha influência direta.
            Andrew caminhou na intenção de seguir o irmão mais velho, mas Charlie acenou, pedindo para que não viesse. Andrew acatou, ainda que de má vontade.
- Tudo o que os Inspirados escrevem são registrados nesse Literadouro, é a forma como suas histórias adentram o Meio-Termo. Li todas as suas histórias, todos os seus livros, e, sinceramente, nunca conheci um Inspirado que escrevesse tão bem...
Munphus parou de frente a uma estante no fundo da sala, apontou para o topo dela e, aparvalhado, Charlie encarou. Uma fileira inteira de livros de capa preta brilhavam em ouro puro as escritas Charlie Caesar Galahan. O garoto fez menção de dizer alguma coisa, mas descobriu-se sem palavras, a não ser um sorriso involuntário.
- Passei anos acreditando que Charlie C. Galahan fosse, na verdade, Northon, que conseguira escapar do Vazio. Não apenas pelo fato de possuírem o mesmo sobrenome, mas por suas Inspirações serem tão vivas quanto as de Northon. Mas, hoje, lendo seu nome naquela carta, percebo que ele nunca foi responsável por essas histórias. Foi você, todo esse tempo e, talvez, Northon ainda esteja no Vazio, sofrendo sua punição. Mas, me diga... De onde tirou a ideia desse nome?
            Charlie deu de ombros.
            - Não sei. Achei o nome legal, veio do nada.
            - Nunca ouviu falar em Northon Galahan?
            Charlie fez que não com a cabeça, decidido. A carta fora a primeira vez. Ele fez uma breve pausa e, por fim, falou:
            - Sr. Munphus... É possível impedir Northon? Impedir esse Despertar do Vazio?
            O bibliotecário levou a mão até um dos livros, segurando o gato com a outra, lançando um rápido olhar a Ophelia, que ainda chorava no canto da sala.
            Atrás deles a chama projetava sombras incertas na parede e, Charlie logo percebeu, era nelas em que o velho tinha pousado seu olhar. Ele se manteve calado alguns segundos, provavelmente se perguntando a mesma coisa, ou, pelo menos, tentando separar o que poderia ser verdade, e o que poderia ser real.
            - Apenas um único ser pode responder a essas perguntas. Um viajante capaz de transpor o Limite, o Portão do Vazio, ou qualquer outra coisa... Hiker, O Andarilho do Tempo.

3 inspirações:

  1. Nossa,curti a saga...

    Oi,amiguinho(achei legal seu blog),visite/siga o Blog do XANDRO
    (meu blog para retribuir o carinho)vc vai gostar!;)

    http://blogdoxandro.blogspot.com/

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  2. Pedro, isso aqui dá um livrão muito massa! Dedique-se e desenvolva a narrativa o melhor possível! Inspirados - O andarilho do tempo é uma estória muito original, nunca vi nada parecido, e ah, em certas partes, vi uma conexão com LAGOENA..=)

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  3. Cara, muito boa narrativa. O título é convidativo. A escrita é bem cuidada. Preciso voltar aqui e ler os capítulos anteriores.

    parabéns../..tenho uma página p/parceiros, se estiver interessado/

    http://contosdarosa.blogspot.com

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Base feita por Adália Sá | Editado por Luara Cardoso | Não retire os créditos